quinta-feira, julho 19, 2012

UMA CRÔNICA SOBRE A VELHICE

 Ser velho é ter alguma intimidade com o sofrimento, e conhecer alguns modos de evitar esse importuno. Um velho 'quase' pode prever o futuro. Um velho não quer concorrer com os jovens. Quer apenas ajudar.


 
  VELHICE  (uma crônica)


   Quando o fim vai se aproximando, os objetivos ficam reduzidos a um ou dois, no máximo, pois sabemos não haver tempo para realizar o que faltou. O que fizemos, fizemos. O que não foi feito, provavelmente jamais o será. É exatamente nesse ponto da nossa vida que conseguimos olhar para o passado com clareza. De repente, o que nos fez chorar, agora nos faz rir. Devíamos ter dado importância ao que mereceu nossa indiferença, e percebemos que sentimos raiva por coisas bobas que nem deveríamos lembrar.
   Para alguns, isso é a velhice. Para outros, maturidade. Gostaríamos, nessa etapa da vida, de poder transmitir o que aprendemos às pessoas queridas, mas elas estão muito ocupadas para nos dar atenção. Tudo que dizemos é atribuído à senilidade que (dizem) vai chegando, mesmo quando nem há sinal dessa maldita. A comunicação com os netos fica difícil, pois o mundo deles é outro e está a anos luz do nosso.
   Quanto aos filhos, dá para ver que a recusa em nos ouvir é uma espécie de ‘vingança inconsciente’ pelos anos em que as nossas decisões é que valiam. Os erros que cometemos num passado longínquo são expostos como argumentos para dizer que não sabemos das coisas. Não nos é dada a oportunidade de mostrar o quanto aprendemos com nossos equívocos, e dizer que hoje faríamos tudo diferente. Os filhos, coitados, se nos ouvissem evitariam muitos dissabores pelos quais ainda irão passar.
   Estão todos enganados quando acreditam que nosso cérebro deixou de funcionar. A verdade é que quando começamos a ter limitações físicas, nossa mente perde o interesse por coisas que antes eram importantes, e, tudo que deixamos de praticar, vai caindo no esquecimento. Só lembramos o que nos prende o interesse no momento atual. Nesse ponto, nosso cérebro é bastante seletivo.
   Sei que muitos ‘velhos’, para não ser enganados, se utilizam de algumas artimanhas do tipo ‘não ouvir bem’, ou ‘não lembrar certas coisas’. Conhece a piada do velho que fingia não escutar e todos falavam tudo na presença dele? Quando o médico perguntou por que ele agia assim, sem necessidade, a resposta foi que “por causa da surdez, mudei meu testamento três vezes”.  A esse comportamento podemos chamar de ‘pela sobrevivência com dignidade’.
   Um dia vi uma entrevista do Chico Anysio (80 anos), na qual percebi certa tristeza quando ele falou que os filhos não queriam ouvir seus conselhos, sua orientação. Já estou na idade de entender direitinho o que ele quis dizer com essas palavras. A realidade é que quando somos mais jovens e damos as ordens, queremos ser obedecidos. Na maturidade, queremos apenas ser ouvidos com atenção, já que nosso objetivo é ajudar, não mandar.
   O Japão cultua seus velhos. Respeita-os e protege. Acima de tudo, lá, todos ouvem suas sábias palavras. Talvez seja por isso que um país de tamanho insignificante e sem riquezas naturais, distante do próspero ocidente, tornou-se a segunda maior economia do mundo. Estamos envelhecendo por aqui; seria bom prestarmos atenção ao que acontece por lá.

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