VELHICE (uma crônica)
Quando o fim vai se aproximando, os
objetivos ficam reduzidos a um ou dois, no máximo, pois sabemos não haver tempo
para realizar o que faltou. O que fizemos, fizemos. O que não foi feito,
provavelmente jamais o será. É exatamente nesse ponto da nossa vida que
conseguimos olhar para o passado com clareza. De repente, o que nos fez chorar,
agora nos faz rir. Devíamos ter dado importância ao que mereceu nossa
indiferença, e percebemos que sentimos raiva por coisas bobas que nem
deveríamos lembrar.
Para alguns, isso é a velhice. Para outros,
maturidade. Gostaríamos, nessa etapa da vida, de poder transmitir o que aprendemos
às pessoas queridas, mas elas estão muito ocupadas para nos dar atenção. Tudo
que dizemos é atribuído à senilidade que (dizem) vai chegando, mesmo quando nem
há sinal dessa maldita. A comunicação com os netos fica difícil, pois o mundo
deles é outro e está a anos luz do nosso.
Quanto aos filhos, dá para ver que a recusa
em nos ouvir é uma espécie de ‘vingança inconsciente’ pelos anos em que as
nossas decisões é que valiam. Os erros que cometemos num passado longínquo são
expostos como argumentos para dizer que não sabemos das coisas. Não nos é dada
a oportunidade de mostrar o quanto aprendemos com nossos equívocos, e dizer que
hoje faríamos tudo diferente. Os filhos, coitados, se nos ouvissem evitariam
muitos dissabores pelos quais ainda irão passar.
Estão todos enganados quando acreditam que
nosso cérebro deixou de funcionar. A verdade é que quando começamos a ter
limitações físicas, nossa mente perde o interesse por coisas que antes eram
importantes, e, tudo que deixamos de praticar, vai caindo no esquecimento. Só
lembramos o que nos prende o interesse no momento atual. Nesse ponto, nosso
cérebro é bastante seletivo.
Sei que muitos ‘velhos’, para não ser
enganados, se utilizam de algumas artimanhas do tipo ‘não ouvir bem’, ou ‘não
lembrar certas coisas’. Conhece a piada do velho que fingia não escutar e todos
falavam tudo na presença dele? Quando o médico perguntou por que ele agia
assim, sem necessidade, a resposta foi que “por causa da surdez, mudei meu
testamento três vezes”. A esse comportamento
podemos chamar de ‘pela sobrevivência com dignidade’.
Um dia vi uma entrevista do Chico Anysio (80
anos), na qual percebi certa tristeza quando ele falou que os filhos não
queriam ouvir seus conselhos, sua orientação. Já estou na idade de entender
direitinho o que ele quis dizer com essas palavras. A realidade é que quando
somos mais jovens e damos as ordens, queremos ser obedecidos. Na maturidade,
queremos apenas ser ouvidos com atenção, já que nosso objetivo é ajudar, não
mandar.
O Japão cultua seus velhos. Respeita-os e
protege. Acima de tudo, lá, todos ouvem suas sábias palavras. Talvez seja por
isso que um país de tamanho insignificante e sem riquezas naturais, distante do
próspero ocidente, tornou-se a segunda maior economia do mundo. Estamos
envelhecendo por aqui; seria bom prestarmos atenção ao que acontece por lá.
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