ACONTECEU NO ÚLTIMO
CENSO
Diálogo entre uma
coletora de dados para o último censo demográfico do IBGE e eu, que estava na
minha casa de veraneio, na serra fluminense.
- Bom dia, senhor! Vim entrevistá-lo para o Censo. Posso
subir?
- Bem, é que eu estou almoçando agora...
- É só um minutinho, senhor... Posso?
- Tudo bem, mas seja rápida, ok?
- Ok! Estou subindo.
Quando abri a porta
do apartamento, logo suspeitei que teria problemas. Muito simpática, ela
começou o interrogatório. Meia hora depois – minha comida já havia esfriado no
prato e eu ficando irritado – ela quis saber quantas pessoas moravam no AP.
- Nenhuma – respondi secamente, porém com um indisfarçável
prazer.
- Por favor – disse ela –, pode repetir?
- Aqui não mora ninguém – respondi me sentindo vingado.
- O senhor é alguém, eu presumo!
- Sem dúvida – respondi.
- E o que o senhor faz aqui, posso saber?
-Antes da senhora, eu almoçava – falei com certa ironia,
percebendo que ela estava também sendo irônica.
- Se aqui não mora ninguém, o senhor invadiu este
apartamento?
- Não. Este apartamento é meu – respondi.
-Arrá! O imóvel está mobiliado, pertence ao senhor, que
estava almoçando, certo?
- Certíssimo – falei morrendo de rir – por dentro, é claro!
- E onde o senhor dorme, posso saber?
- Depende da ocasião. Algumas vezes, aqui; outras, na casa
da minha namorada; fora as ocasiões que fico na minha casa, no Rio de Janeiro.
- Vamos simplificar – disse a moça demonstrando estar
ficando impaciente -, onde o senhor trabalha?
- Eu não trabalho.
- E vive de quê, posso saber?
- Sou aposentado.
- Mas pra namorar o senhor ainda não se aposentou, pelo que
estou vendo. Vai dormir aqui hoje?
- Vou, até o fim do mês.
- Então posso considerar, para o censo, que o senhor mora
aqui.
- Não, não pode!
- E por que não, posso saber?
- Porque o censo já passou na minha casa do Rio e já
informaram que eu moro lá. Se a senhora disser que eu moro aqui, o censo ficará
com uma pessoa a mais. Afinal, eu não sou dois...
- Percebo que o senhor está se divertindo às minhas custas.
Seu porteiro disse que o senhor mora aqui.
- O porteiro não sabe da minha vida.
Em seguida, ela
levantou-se da poltrona e saiu, não sem antes dizer um palavrão resmungado. O
porteiro me contou que ela saiu dizendo que iria me denunciar por não colaborar
com o censo.
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