A foto ao lado é da estátua do Galhardo, na cidadezinha de Minas, onde ele é herói. Tem gente que pensa que é do Tiradentes. Isso até hoje causa muita polêmica.
DE QUEM É A ESTÁTUA?
Todos somos ativistas de alguma coisa. Na
maioria das vezes nem percebemos. Há muitas maneiras de sentir que estamos
engajados a algum tipo de luta, que pode ser qualquer luta, mesmo aquela que só
você considera merecedora de ser travada.
Era o caso do Galhardo. Nunca soube o nome
todo dele, mas do Galhardo nunca esqueci. Nessa época, faz bastante tempo, ele
tinha uns dezoito anos, talvez vinte. Tudo aconteceu nos anos 1950, o que me
faz pensar que ele, é provável, já tenha subido pro andar de cima. Ou descido
pro subsolo.
Eram tempos de inocência, de certa
ingenuidade. Os adultos das famílias falavam por códigos, por meias-palavras,
quando algum filho ou sobrinho “dimenor” estava por perto. Pensando bem, se
fosse “dimaior” também, por que havia um tal de respeito, que mantinha a
distância entre pais e filhos.
As fofocas daquele tempo eram quase as
mesmas de hoje, guardadas as devidas proporções. A diferença é que eram “um
escândalo”, enquanto hoje são apenas coisas que acontecem em qualquer família,
todos os dias.
Não sei direito o que o Galhardo ouviu, mas
sei o que ele ‘entendeu’ do escândalo do século – pelo menos foi assim considerado
na vila em que ele morava.
Seguinte: Uma menina que morava quatro casas
depois da dele ia casar. Mas ele nunca tinha visto o namorado, como é que pode?
Antigamente podia. A vizinha era, não gorda, mas grandona, com 1,70m de altura,
coisa rara na época, quando as mulheres variavam entre 1,50m e 1,65m. O noivo
era bem menor que a noiva; devia ter os seus 1,60m. Mas era bem parrudo. Foram
morar longe (a uns 200 metros) dos pais dela, o que significa que o casal
queria ficar só, para poder... Você sabe.
Um mês depois, os pombinhos apareceram para
visitar os pais da moça, que estava com o olho roxo – ou cinza, sei lá. Antes
mesmo deles adentrarem na casa, a vila toda já sabia que ele lhe dera pelo
menos um soco. Para os pais, a explicação foi que a porta da geladeira bateu
nela, ou melhor, ela bateu na porta da geladeira, tanto faz.
Desde então, a cada visita, um novo roxo.
Até que souberam que a menina (pelo menos aos olhos das vizinhas) estava
hospitalizada. Não deu mais para esconder a verdade: ela apanhava e tinha sido
estuprada com violência. O Galhardo não entendia nada. Estuprada pelo próprio
marido? Pois é.
Um belo dia a casa dos pombinhos foi cercada
por carros de polícia e ambulância. O marido foi levado ao hospital, onde
morreu. Ela chegou a ser presa, acusada do assassinato do José Maria.
Por ocasião da autópsia, descobriram que o
Zé Maria era, na verdade, Maria José. Acredite: Virgínia havia casado com outra
mulher. Pior, sem saber. Mas sem saber como? Eles ficaram uns quatro meses
casados e ela não sabia? Pois é, jurou que não sabia. Lembrei agora do Lula.
Muitas versões correram boca à boca e até
deu uma notícia num jornal da capital. Indignado, o Galhardo decidiu que essa
história não ia se repetir. Um homem que era mulher estuprar a própria mulher?
Criou uma organização – naquele tempo não se
chamava ONG – para lutar pela moralidade familiar. Acredito que a tal
organização deu certo, pois mudanças ocorreram desde então. A conferir:
Mulher já pode casar com mulher, e homem com
homem. Casou hoje, pode divorciar amanhã e casar novamente. Moças de família,
como eram chamadas, deixaram de existir. Virgem? Esta palavra só não saiu dos dicionários
por causa do signo, que insiste em permanecer na astrologia.
Galhardo, para muitos, é considerado um
herói pelas pessoas que gostam de transparência. O feminismo não teria evoluído
sem sua luta. Dizem que até uma estátua do Galhardo está na praça principal da
cidadezinha onde ele viveu e morreu anonimamente. Tudo aconteceu em Minas
Gerais. Há quem garanta que, apesar de haver uma ‘forca’ ao lado da imagem, a
estátua não é de Tiradentes. Teve até um prefeito (tudo pode acontecer no
interior) que propôs demolir a forca, mas faltou a unanimidade dos vereadores.
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