A
BUNDA
Amadeu – Tô enfastiado! Já conheço todas as mulheres
do pedaço!
Fonseca – E daí? Eu
também conheço!
Amadeu – Daí que
comi as que pude e valiam a pena. As que sobraram não me interessam. Preciso
renovar minha agenda.
Fonseca –Vai ser
difícil. Parece que ninguém se muda pra cá faz um tempão. Tens que freqüentar
outros botecos.
Amadeu – Tás
ficando louco, cara? Aqui tem o melhor chope da cidade. E onde que tem um
garçom como o Nivaldo? Esse sabe tudo do ofício. Falando nisso... Ô, Nivaldo!,
bota mais um, tinindo.
Fonseca – E traz
umas batatinhas fritas, tá!?
Amadeu - O que eu
tava falando mesmo?
Fonseca – De
mulher, pô! Tu só falas nisso...
Amadeu – Lembrei!
Preciso renovar os telefones da minha agenda. Novos números, novas mulheres,
novas oportunidades, novas emoções...
Fonseca – E novas
cagadas! E como o amigo pretende conseguir isso sem mudar de ares?
Amadeu – Encontrei
uma solução pro problema. Quase nem dormi esta noite, mas valeu a pena.
Fonseca – Essa eu
quero ouvir!
Amadeu – Vou pôr
um anúncio!
Fonseca – Nos
classificados?
Amadeu – Claro que
não, sua anta! Quem põe anúncio no jornal é puta ou travesti. Coisa démodé.
Fonseca – E onde
vai ser, então?
Amadeu – Na
internet!
Fonseca – Naqueles
sites de encontros, tipo ‘parperfeito’ e ‘almasgêmeas’?
Amadeu – Lá não
serve. Experimentei uma vez e não deu certo.
Fonseca – Mas lá
tem muita mulher...
Amadeu – Pô,
Nivaldo!, cadê as batatinhas? Acabei de te elogiar e tu já estás pisando na
bola!
Nivaldo – Já tão
saindo, Madeu! É que eu tava servindo as moças da mesa dez. Senhoras primeiro,
né!?
Amadeu – Moças?
Que moças? Desde quando tem moça na turma que anda com a Bete?
Fonseca – Mas fala
logo! Onde vais colocar o tal anúncio?
Amadeu – No
Facebook! Já fiz até uns rascunhos.
Fonseca – Xeuver
aqui.
Amadeu (Puxando
uns papéis amassados de dentro do bolso da bermuda) - Pera lá! Vou mostrar...
Primeiro, uma pequena biografia do papai aqui. Digo que sou romântico, gosto de
animais, de crianças, essas qualidades que as mulheres tanto apreciam num
homem. Depois, e isso é que importa, digo que estou solitário e carente.
Fonseca – Essa não
vai colar! Solitário e carente? Coisa mais antiga!
Amadeu – Antiga eu
sei que é, mas ainda funciona. Basta fazer um pequeno drama. Que mulher não
gosta de drama?
Fonseca – Posso saber
qual foi a brilhante ideia?
Amadeu – Vou dizer
que estou solitário porque minha amada morreu! Tá justificada minha carência
afetiva?
Fonseca – (Nossa!
Que filho da puta cara-de-pau!) Não posso negar que a idéia é criativa. É
capaz de dar certo, sabia?
Amadeu – Vai dar
certo! Só estou com algumas dúvidas sobre a descrição da mulher que eu quero.
Fonseca – Descrever
pra quê? Tu sempre disseste que toda mulher merece pelo menos umazinha.
Qualquer uma serve.
Amadeu – Isso é
modo de falar, anta. Eu me referia às boas, às não tão boas, e às mais ou menos
boas...
Fonseca – Não vejo
diferença. Pra mim, toda mulher é a mesma coisa, basta que eu feche os olhos.
Amadeu – Não
acredito no que acabo de ouvir! Daqui a pouco vais dizer que a ‘dona punheta’ é
a melhor de todas.
Fonseca – De
repente... Acaba sendo mesmo. Bater uminha é uma arte. Precisa de concentração,
boa memória, não é para qualquer coroa.
Amadeu – (Mas
que velho safado! Punheteiro!) - Vejo uma única vantagem na punheta: você
transa com quem quiser.
Fonseca – Tem
outra. O cara não gasta uma moeda sequer. Nada de jantarzinho, presentinho,
cineminha com pipoquinha...
Amadeu – Esse
garçom filho da puta já está me enchendo o saco! Nivaaaaldo!
Nivaldo – (O
Amadeu tá um saco hoje!) - Dê suas ordens, meu chefe!
Amadeu – Porra,
Nivaldo!, cadê a batatinha frita!?
Nivaldo – Deve
estar no seu estômago, chefe.
Amadeu – Então já
devia ter trazido outra porção!
Nivaldo – Mas você
não pediu.
Amadeu – E preciso
pedir? Freqüento essa merda de bar há pelo menos vinte anos e você já era
garçom aqui. Ainda não aprendeu o meu gosto?
Nivaldo – Tá
saindo, tá saindo!
Fonseca – Mas sim,
cadê o tal anúncio que vai sair no ‘face’?
Amadeu – (Puxando
o papel amarrotado do bolso) – Taqui, dá uma lida e me diz se está bom.
Fonseca – (Lendo
em voz alta) – “Homem de 50 anos, livre e desimpedido, carente, procura
namorada para compromisso sério. Ela deve ser independente, sem filhos, órfã de
mãe, curso superior, de 25 a 40 anos, até 1,70m de altura, manequim 38 ou 40.
Quem se interessar pode escrever para o e-mail Amadeu@ig.com.br . Favor enviar foto de corpo inteiro, e um
close do rosto”. (Após a leitura, o Fonseca ficou em silêncio, pensativo).
Amadeu – E aí, que
tal? Tá bom?
Fonseca – (Em silêncio,
faz um sinal para o Amadeu esperar um pouco, assumindo a postura de quem está
numa profunda reflexão)
Amadeu – Tá
decorando o meu texto?
Fonseca – É, tá
bonzinho.
Amadeu – Bonzinho?
Bonzinho? O que significa bonzinho?
Fonseca – Significa
que poderia ficar melhor.
Amadeu – Mas estou
dizendo tudo que eu quero!
Fonseca – Deixa pra
lá então.
Amadeu – Deixa pra
lá coisa nenhuma. Quero saber como poderia ficar melhor. Fala!
Fonseca – Bem, eu
mudaria algumas coisinhas...
Amadeu – Por
exemplo?
Fonseca – Você
acabou de sair de um casamento e já tá querendo ‘um compromisso sério’?
Amadeu – Isso eu
não vou mudar! É só para constar. Se eu não falo que é sério minhas
possibilidades de sucesso diminuem. Entendeu?
Fonseca – Pode ser,
mas há coisas que podem prejudicar. A Idade, cara.
Amadeu – A faixa
etária que eu coloquei não está boa?
Fonseca – Olha, eu
não limitaria aos 40 anos. Hoje em dia tem gata de 45, 50, que dá show.
Amadeu – (calado
e pensativo por alguns segundos) – Porra, Nivaldo, meu copo tá vazio! (garçom
de merda!) - É, acho que tens alguma razão.
Fonseca – Alguma
razão? Alguma porra nenhuma! Pensa na mulher do Felinto. Eu daria um braço para
dormir com ela. Mas quem iria querer esta merda de braço? Queria ter a grana do
Redford.
Amadeu – Quem?
Fonseca – Robert
Redford, do filme Proposta Indecente, que pagou um milhão pra dar uma com a
Demi Moore. Pra Lorena eu pagaria dois milhões.
Amadeu – Deixa o
Felinto saber disso! Te enche a cara de porrada!
Fonseca – E a
secretária do Donato? Ela deve ter uns 45. Meu Deus!, Meu Deus!, que mulher! Eu
era capaz de largar a Lúcia por causa dela.
Amadeu – Eu também
daria tudo o que tenho.
Fonseca – Merda!
Amadeu – Merda o
quê?
Fonseca –O que tu
tens. O Donato já deu pra ela dois apartamentos e um Audi novinho.
Amadeu –Não dá pra
competir com esses filhos da puta que cagam dinheiro.
Fonseca – Deus não
foi justo com os homens. Na próxima encarnação eu quero vir como mulher. Elas
já nascem com um talão de cheques no meio das pernas.
Amadeu – Um talão
com milhares de folhas. E bastante saldo.
Fonseca – E aí?,
vais deixar como está esse negócio de ‘até 35 anos’?
Amadeu – Tenho que
dar a mão à palmatória. Vou permitir até 45 anos.
Fonseca – Eu
deixaria esse negócio de idade de lado.
Amadeu – Negativo!
Até 45, e pronto! Mais alguma correção?
Fonseca –
Infelizmente, sim.
Amadeu – Manda lá!
Fonseca – No teu
lugar, eu pediria duas fotos, sendo uma de biquini. Pra fazer o ‘teste da
areia’. Ia poupar tempo. Imagina se aparece uma mulher sem peito, sem cintura,
barriguda, ou que, de costas, parece uma tábua de passar roupa?
Amadeu – Mas uma
mulher assim não é uma mulher acabada. É um feto que cresceu.
Fonseca – Não é
isso, ameba. Tô falando de uma mulher com um ou dois dos defeitos citados.
Amadeu – Acho que
tens razão. Vou melhorar esse texto.
Fonseca – É isso
aí. Tens que te prevenir, cara. Pra que arriscar surpresas desagradáveis? Se
vais entrar em campo, que o gramado seja o melhor. Se bem que risco sempre há.
Mas tem que ser ‘risco calculado’, né!?
Amadeu – Olha lá!,
olha lá!
Fonseca – Olha o
quê?
Amadeu – A gatinha
que acaba de entrar. Uma deusa!
Fonseca – Cria
vergonha nessa cara, meu! Ela podia ser tua neta!
Amadeu – Tá bom, é
uma criança! Mas neta? E eu lá tenho idade pra ser avô?
Fonseca – E não
tem?
Amadeu – Mas não
tenho cara de avô! Nem vocação!
Fonseca – Hummm,
lembrei de um detalhe fundamental. Bunda! Ela tem que ter.
Amadeu – Eu sei,
eu sei. Só não sei como vou dizer isso. Pode pegar mal. Quem ler vai achar que
eu sou um tarado.
Fonseca – E não és?
Cara, tu devias estar preso, acorrentado.
Amadeu – Para com
a sacanagem, que este assunto é sério. Não vai dar para escrever a palavra
bunda. Ia pegar mal.
Fonseca – Temos que
pensar numa maneira de dizer sem ofender.
Amadeu – Nádegas,
talvez?...
Fonseca – Acho que
não! É quase a mesma coisa.
Amadeu – Esse tema
tá ficando complicado. Vamos pular essa história de bunda e deixar pra depois.
Fonseca – Agora sou
eu que estou com uma dúvida. Se a gente fala nádegas, não seria mais correto
dizer ‘bundas’?
Amadeu – Porra,
Fonseca, não vamos perder tempo. Nós já não decidimos postergar a decisão sobre
como abordar isso?
Fonseca – Gostei do
postergar. Andaste lendo um dicionário?
Amadeu – Não enche
o saco! Nivaaaaldo!
Nivaldo – Fala,
Madeu! Quê que é agora? O copo tá cheio e ainda tem batata no prato.
Amadeu – Quero
mandar um torpedo pra coisinha ali, a de blusa azul.
Nivaldo – (Olha
pra garota) – Eu me recuso! Ela podia ser tua neta! Onde é que nós estamos?
Pedofilia é crime, sabia!?
Amadeu – Já não se
fazem garçons como antigamente! Desaparece da minha frente, some! (Virando-se
para o Fonseca) – Esse sujeitinho tá ficando confiado!
Fonseca – Isso pode
dar cana! O Nivaldo poderia ser acusado de aliciar menores. Acho que ele está
certo em recusar.
Amadeu – Até tu,
Brutus?
Fonseca – Vamos
continuar ou não? Não tenho a tarde toda.
Amadeu – Quero
deixar bem claro que voltaremos ao assunto da bunda. A mulher tem que ter! Só
não sei como vou pedir.
Fonseca – Tu só
vais poder pedir quando estiveres na cama com ela.
Amadeu – Xá de ser
burro, meu! Tô falando em pedir pelo anúncio, no sentido de que ela deve
preencher esse importante requisito.
Fonseca – Podemos
continuar?
Amadeu – Vá em
frente! Sou todo ouvidos!
Fonseca – Me veio à
cabeça outra coisa: esse negócio de curso superior é mesmo importante?
Amadeu – Muito
importante! Detesto mulher burra!
Fonseca – Mas tu
pretendes casar ou só comer?
Amadeu – Me
reservo o direito de não responder.
Fonseca – Não serve
uma com curso superior incompleto? E se tu perdes um mulheraço por causa dessa
exigência idiota?
Amadeu – Não tinha
pensado nisso.
Fonseca – Se fosse
eu, aceitaria uma candidata que tivesse passado no vestibular, mesmo que não
tenha cursado a faculdade. Abre mais o ‘leque’.
Amadeu – Preciso
pensar no assunto! Há muita coisa em jogo!
Fonseca – Que
história é essa de “muita coisa em jogo”? Deixa de ser panaca.
Amadeu – Não
podemos esquecer que trata-se do meu futuro sexual.
Fonseca – Nem sei o
que estou fazendo aqui. Pura perda de tempo! Tanto trabalho por causa de uma
simples ‘piriquita’.
Amadeu – Simples?
Desde quando existe uma periquita simples? Cada uma é cada uma, com suas
mazelas, seus macetes, suas mumunhas. É a periquita que torna as mulheres
complicadas. Elas vivem a eterna busca, como os pés, de um ‘sapato’ do tamanho
certo.
Fonseca – Isso dá
samba! As mazelas da periquita...
Amadeu – Sabe de
uma coisa? Vou pedir uma que tenha, pelo menos, completado o curso médio. A
minha ex era formada e pós-graduada, e nem por isso deu certo.
Fonseca – Agora tu
estás acompanhando o meu raciocínio. Desde quando genitália precisa ser
diplomada?
Amadeu – Fala mais
sobre o anúncio. O que ainda está errado?
Fonseca – Deixa eu
reler... (pegando a folha de papel) – Esqueceste de mencionar os
bairros. Já pensaste se aparece uma candidata que mora lá na ‘puta que pariu’?
Amadeu – E onde
fica isso?
Fonseca – Sei lá!
Caxias, Vicente de Carvalho, qualquer lugar do subúrbio.
Amadeu – Isso é
preconceito! Sabias que no subúrbio tem cada gata...
Fonseca – Pode ser,
mas vais ter que ir buscar de carro. Pensa só: viajar quase uma hora só de ida.
Acho que não vale a pena. Não tem tesão que se firme.
Amadeu – É melhor
pedir mulheres da Zona Sul. Preferencialmente no perímetro entre Flamengo e
Gávea.
Fonseca – Só pra
saber: as da Barra estão fora? A Barra fica um pouco longe, não é Zona Sul, mas
tem cada mulher... E as que moram na Tijuca? A Tijuca é a zona sul da Zona
Norte.
Amadeu – Mas não
vai ficar muito longo?
Fonseca – Escreve
apenas Zona Sul, Barra e Tijuca. Tens que ser bem explícito.
Amadeu – Isso vai
parecer preconceito...
Fonseca – Me aponta
um único ser humano que não tenha algum.
Amadeu – Bem, pode
ser que seja verdade, mas...
Fonseca – Mas o
quê? Conta nos dedos da mão esquerda do Lula os negros que, depois de ficar
ricos, casam com uma negra. Isso não é preconceito?
Amadeu – OK, tô
convencido!
Fonseca - Falando
em explícito, me lembrei de implícito. E se a gente pedisse uma mulher com
bunda, de uma forma implícita?
Amadeu – Não sei
como. Tens que explicar como se faz isso. Bunda é bunda, cara. Nunca ouvi falar
de bunda implícita.
Fonseca – Vamos
pensar melhor pra não fazer besteira. Acabei de lembrar de outro detalhe. O
que, exatamente, quiseste dizer com ‘independente’?
Amadeu –
Financeiramente, é óbvio!
Fonseca – Acho que
ela deve ter carro. Já pensaste no trabalho que dá uma mulher a pé?
Amadeu – Sem carro
eu tô fora!
Fonseca – Então
inclui aí “que possua condução própria”.
Amadeu – Acho
melhor não. Ela pode pensar que eu não tenho carro e que quero me aproveitar do
dela.
Fonseca – O Jota é
que está certo! Ele não namora nenhuma mulher que more a mais de 400 metros da
casa dele.
Amadeu – Em
compensação, quando ele acaba um caso, fica um tempão para arrumar outra
vizinha. Sim, porque uma que more tão perto é uma vizinha! Melhor não falar em
carro.
Fonseca – Tem uma
coisa que está me encucando.
Amadeu – Olha só o
filho da puta do Nivaldo arrastando asa para aquela que chegou a poucos
minutos.
Fonseca – Como tu
sabes que ele tá dando em cima?
Amadeu – Num tás
vendo a cara do sacana? Conheço essa expressão de “tô querendo”.
Fonseca – Deixa
disso! O cara pode estar apenas sendo gentil.
Amadeu – Gentil o
cacete! Tu não viste o ‘choro’ que ele deu na dose de uísque dela. Aliás,
aquilo nem é mais choro, é um oceano de lágrimas. Conosco ele não dá esse mole.
Fonseca – É que a
gente não usa saia. Deixa o cara. Cada um usa as armas de que dispõe.
Amadeu – (garçom
filho da puta!) Mas no nosso território?
Fonseca – Voltando
à bunda, como é que fica? Temos que dar uma solução. Afinal, é a parte mais
importante do corpo feminino. Eu diria como o Vinícius: “As sem bunda que me
perdoem, mas bunda é fundamental”.
Amadeu – O
Vinícius nunca disse isso!
Fonseca – Não
disse, mas pensou!
Amadeu – Ele falou
de beleza.
Fonseca – E uma
mulher sem bunda tem alguma beleza?
Amadeu – O nobre
colega está coberto de razão. Devido à importância do assunto, vamos deixar pro
final. Pode ser que surja uma idéia boa.
Fonseca – Uma coisa
tá me deixando intrigado. Porquê órfã? E sem filhos?
Amadeu – Órfã? E
eu lá quero ter sogra? Acho mesmo que ninguém quer ter. Nem sogra, nem sogro. E
nada de crianças. Não tenho mais saco.
Fonseca – E, se
possível, nada de cunhados ou cunhadas.
Amadeu – Sobre os
cunhados, tudo bem, agora cunhada... aí depende.
Fonseca – Depende
do quê?
Amadeu – Depende da
cunhada, ora. Uma cunhadinha pode render uns bons dividendos.
Fonseca – Só se ela
trabalhar na Bolsa de Valores.
Amadeu – às vezes
eu fico querendo descobrir se tu és mesmo um imbecil ou se tás fazendo gênero.
Dividendos que eu falo, sua anta, são dividendos sexuais.
Fonseca – Mas tu
achas que uma cunhada vai trair a própria irmã?
Amadeu – Acontece!
Como acontece.
Fonseca - Já
comeste a tua?
Amadeu – Não! A
minha é direita! É séria!
Fonseca – É sempre
assim! Só as dos outros é que são galinhas. Não sei se estás escondendo o jogo
ou sendo sincero.
Amadeu – Sendo
sincero!
Fonseca – Não sei
por que, mas não acredito nessa tua sinceridade. Em mais de uma ocasião eu
notei...
Amadeu – O quê?
Notou o quê?
Fonseca – Teu jeito
de olhar pra ela.
Amadeu – Só isso?
Fonseca – Tem mais!
Amadeu – Mais o
quê? Posso saber o que passa nessa tua mente suja?
Fonseca – Nem vem
que não tem! Tu dás a maior bandeira!
Amadeu – Eeeeeu?
Fonseca – Já
observei que quando vocês se cumprimentam...
Amadeu – Notou?
Notou o quê, exatamente?
Fonseca – Notei que
em vez de dois beijinhos no rosto acontece muito mais coisa.
Amadeu – Tás
ficando doido?
Fonseca – Ninguém
me contou, eu vi com estes olhos que a terra há de comer. Vi que são mais de
cinco beijocas.
Amadeu – E daí?
Isso é besteira!
Fonseca – Besteira?
Desde quando um selinho na própria cunhada é besteira? E tem mais...
Amadeu – Ma-mais?
Fonseca – O abraço
entre vocês é tão apertado que não passa nem pensamento. Apertado e demorado.
Amadeu – Eu
confesso!
Fonseca – Arrá! Eu
sabia! Tens uma deformação moral. Tua testosterona, quando está em alta, não
tem limite. Ela é boa na cama?
Amadeu – Peraí,
meu! Eu confesso que tenho por ela algum tesão. E só. Nunca aconteceu nadica de
nada. E te digo mais: é um tesão respeitoso!
Fonseca – Tesão respeitoso?
Essa não!
Amadeu – É,
respeitoso!
Fonseca – Desde
quando existe tesão respeitoso? O cara chega na mesa do amigo, que está com a
mulher, e sapeca: ‘Fulano, parabéns! Tenho o maior tesão pela tua mulher! Mas
quero acrescentar que trata-se do mais respeitoso tesão’. Ora vai plantar
batatas, antes que eu me esqueça!
Amadeu – Vamos
voltar para a bunda? Quero dizer, para o meu anúncio?
Fonseca – Acho uma
boa idéia. Mas depois tu vais me contar essa história direito. Sou capaz de
apostar qualquer coisa que tu já andaste por lá. Mas eu te perdôo, porque ela é
mesmo uma tentação!
Amadeu – Olha lá
como tu falas! Respeito é bom e eu gosto!
Fonseca – Tá com
ciúme, é? Deixa de ser calhorda!
Amadeu – Já mudei
de assunto.
Fonseca
–
Fazendo um retrospecto, podemos dizer que esta assembléia decidiu que a tua
futura mulher deve ter até 45 anos, ser independente financeiramente, deve
morar ou na Zona Sul, ou na Barra, ou na Tijuca... ser órfã de pai e mãe –
principalmente de mãe -, altura até 1 e 70.
Amadeu - Ainda falta
alguma coisa fora a bunda?
Fonseca – (relendo
o rascunho) – Tás pedindo manequim 38 ou 40. Eu não concordo!
Amadeu – Mas eu
prefiro assim.
Fonseca – Quero
lembrar ao distinto amigo que a mulher pode ter um corpinho 40 mas, por causa
da bunda e dos seios, ela veste 42. Eu iria até o número 42. Bunda e peito
nunca são demais.
Amadeu – OK, de
acordo! Vamos passar para outro tópico. O que está faltando analisar?
Fonseca – Cor! Não
mencionaste cor!
Amadeu – Eu até
que tinha pensado no assunto, mas fiquei com medo. Isso pode dar cadeia!
Racismo!
Fonseca – Depende!
Amadeu – Depende
de quê?
Fonseca – Primeiro
do teu gosto pessoal. Isso é um direito inalienável que qualquer cidadão de bem
tem. Está na Constituição!
Amadeu – Em que
lugar da Constituição? Isso é novidade pra mim.
Fonseca – Bom, se
não está, deveria estar! Temos que ser inteligentes. Vamos redigir de forma que
não possas ser acusado de racista.
Amadeu – Aí é que
a coisa pega! Não consegui pensar em nada.
Fonseca – Tua sorte
é ter um amigo como eu!
Amadeu – Será?
Fonseca – Claro!
Inteligente, criativo...
Amadeu – Acho que
é só! Não tens mais nenhuma qualidade.
Fonseca – Realmente, se escreveres que não serve mulher de
cor, poderás ter problemas com a justiça.
Amadeu – Então
como é que eu faço?
Fonseca – (depois
de pensar uns instantes) – Não diz o que não queres. Fala da tua
preferência por brancas.
Amadeu – E se
assim mesmo minhas palavras forem interpretadas como racistas?
Fonseca – Racismo precisa ser provado. Se um branco fizer um
anúncio como o teu e escrever que procura uma mulata, tenho certeza que ele não
vai ser acusado de nada.
Amadeu – Tás
falando em causa própria, né!?
Fonseca – Não vou
negar que gosto de uma escurinha.
Amadeu – E de uma
branquinha, de uma lourinha, de uma japonesinha... Depois sou eu que sou
tarado! (Pequena pausa) – Como é que eu escrevo isso?
Fonseca – Sei lá!
Contrata um jornalista para redigir para ti. Ele vai saber como abordar o
assunto.
Amadeu – Contratar
coisa nenhuma! Vou falar com o Renato! Ele trabalha no Globo e escreve umas
merdas sobre política. Ele deve saber o que fazer. Nunca imaginei que redigir
um simples anúncio pra pedir uma simples mulher desse tanto trabalho.
Fonseca – Simples
mulher? Desde quando existe mulher simples?
Amadeu – O nobre
colega tem toda razão. Ninguém entende as mulheres!
Fonseca – Ninguém o
cacete! Qualquer boiola sabe tudo sobre elas; como pensam, como sentem, do que
gostam... É por aí. Aliás, veado é mesmo burro.
Amadeu – Sempre
ouvi dizer que eles são inteligentes.
Fonseca – Se eu
fosse bicha ia ser consultor, com placa na porta e firma registrada. Ia
ensinar, pra gente como nós, a ganhar tudo quanto é mulher.
Amadeu – Ias ser
uma bicha rica! Nivaldo! Por onde andas, meu garçom preferido?
Fonseca – O Nivaldo
tá dando plantão na mesa daquela boazuda! Esqueceu da gente!
Amadeu – Exercer a
profissão de garçom não combina com galinhagem! Acho que vou fazer uma
representação contra ele.
Fonseca - Vais te
queixar pra quem?
Amadeu – Pro maitre!
Fonseca – E desde
quando esta merda de boteco tem maitre?
Amadeu – É por
isso que essa porra não vai pra frente!
Fonseca – Não vamos
dispersar nosso raciocínio. Já pensaste sobre a bunda?
Amadeu – Até
agora, nada!
Fonseca – Nunca
pedir uma bunda me deu tanto trabalho!
Amadeu – Acabou de
me ocorrer uma idéia. A bunda não é uma protuberância?
Fonseca –
Tecnicamente falando, não deixa de ser.
Amadeu – E se eu
disser que ela deve ter uma protuberância?
Fonseca – Detesto
ser estraga-prazer, mas pode haver uma protuberância em qualquer parte do
corpo. Uma corcunda é uma protuberância!
Amadeu – Basta dar
a localização exata de onde deve estar o ‘calombo’.
Fonseca – E como
vais dar a localização exata?
Amadeu – Como?
Como? Ora como! Dizendo!
Fonseca – Vai cair
na mesma situação. Pensa: “A candidata deve possuir uma protuberância
localizada abaixo da região lombar”. Fica até pior.
Amadeu – Droga de
bunda! Empacamos! Outra coisa: acho que não devemos nos referir à mulher como
candidata.
Fonseca – Se esse
problema tivesse caído na prova de vestibular eu nunca teria me formado! Vou
acabar deixando de gostar.
Amadeu – Deixando
de gostar de quê, posso saber?
Fonseca – De bunda,
o que mais!? Tô ficando enjoado de tanto falar nisso. E se tu escreveres que a
mulher dos teus sonhos deve lembrar a Vênus Calipígia?
Amadeu – Ela vai
saber quem é essa?
Fonseca – Se não
for burra, vai!
Amadeu – E qual é
a mulher que tiveste que não é burra? Aliás, para sair contigo ela devia ter o
cérebro de minhoca, se minhoca tiver cérebro.
Fonseca – Vou
fingir que não ouvi essa piada sem graça.
Amadeu
-
Eu não devia ter mostrado o meu anúncio. Tava bom como tava. Foste dar palpite
e... É ela! Acaba de entrar, camiseta
amarela, sem sutiã...
Fonseca – Ela quem?
Amadeu – A ‘minha’
bunda. (em seguida amassou o rascunho e jogou no cinzeiro)
Nenhum comentário:
Postar um comentário