Para muitos, a morte é uma libertação. Sou adepto dessa filosofia. Se você não é, fique com o 'alzaimer' e aporrinhe toda a sua família. Será uma vingança e tanto.
NOSSAS
MORTES EM VIDA
Todos nós já morremos um pouco. Não falo da
morte em que somos enterrados ou cremados – essas são mortes definitivas.
Também não me refiro ao fato de que a cada minuto vivido corresponde ao minuto
a menos que falta para morrermos.
Estou querendo dizer que morremos um pouco
cada vez que acontece algo que nos fere profundamente. É fato que todas as
coisas desagradáveis que nos atingem, encurtam um pouco a corrida para o minuto
final. Mas isso depende de cada um. Explico: nem todos são afetados com a mesma
intensidade pelo trágico.
O inesperado é sempre a mais maléfica das
formas de nos agredir. É que ele nos pega desprevenidos, e alguns sonhos são
decepados, atrofiados, e muitas vezes ‘matam’ parte da pessoa que éramos.
A adolescência é rica em oportunidades para essas
mudanças que alteram nosso comportamento. Nessa fase da vida, tudo é encarado
com ‘pureza’, sem desconfianças. Nessa fase nos entregamos aos sonhos mais
impossíveis – não temos sabedoria para antever o trágico. Duvido que um adulto
hoje não tenha morrido algumas vezes a medida que seus sonhos foram sendo
desfeitos quando eram jovens demais.
Entretanto, os mais fortes dentre nós podem
recuperar – isso é comum – o otimismo anterior. Os mais fortes, a quem me
refiro, são os menos sensíveis à dor.
Um exemplo (tirado da minha vida quando eu
já estava na idade adulta) foi a morte do meu primeiro filho. Uma morte causada
por uma mentira desnecessária. Depois disso, nunca mais fui a mesma pessoa.
Passei a duvidar de tudo e de todos. Nem podia chegar perto de uma criança sem
que uma lágrima caísse discretamente do meu rosto. Isso foi superado (será?),
mas nada voltou ao que era antes. Eu desconhecia a importância da mentira para
o bem-estar da humanidade. Eu ainda não havia lido Gibran – nem Vargas Vila.
Ninguém, por mais idiota que seja, será a
mesma pessoa que era cinquenta anos atrás. Podemos até manter algumas
características do que fomos no passado, sem, entretanto, sermos a mesma
pessoa.
Depois de muitas mortes, muitas decepções
com pessoas próximas (das distantes eu já nada esperava), meu coração parou de
bater. Não uma ou duas vezes. Quatro vezes. Numa delas, fiquei cinco minutos
morto. Só depois disso encontrei a paz.
Primeiro perdi a memória, inicialmente 90%
dela. Levei anos para recuperar uns 80%, tudo aos poucos, lentamente. Não
conseguia lembrar de mal algum que me tivessem feito. Melhor dizendo, quase
nenhum.
Não, não estive do “outro lado”, nem flutuei
para ver meu corpo inerte. Quando voltei, tinha apenas uma certeza: Deus Não
Existe! Depois dessa constatação, minha vida melhorou. Uma correção: eu mudei,
e isso fez com que minha vida mudasse, para melhor.
Perdi o medo das coisas e das pessoas, e
nada mais podia atingir-me. Aí estava o segredo do meu rejuvenescimento. Meus
cabelos já grisalhos voltaram a escurecer sem que nada fosse feito para isso.
Passei alguns anos impotente, até descobrir que voltei (quase) ao que era
antes. Obviamente não retornei aos meus 20 anos – mas estou mais alegre do que
jamais fui.
Tirei das pessoas o poder de me decepcionar.
Vivo cada dia focado no presente, sem expectativas em relação ao futuro.
Finalmente, perdi o medo da morte. Viverei enquanto viver bem. Quando não estiver
mais satisfeito, estiver cansado ou sofrendo, morrerei contente – afinal, todos
temos que morrer um dia.
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