terça-feira, junho 25, 2013

NOSSAS MORTES


Para muitos, a morte é uma libertação. Sou adepto dessa filosofia. Se você não é, fique com o 'alzaimer' e aporrinhe toda a sua família. Será uma vingança e tanto.
 
NOSSAS MORTES EM VIDA
 
   Todos nós já morremos um pouco. Não falo da morte em que somos enterrados ou cremados – essas são mortes definitivas. Também não me refiro ao fato de que a cada minuto vivido corresponde ao minuto a menos que falta para morrermos.
   Estou querendo dizer que morremos um pouco cada vez que acontece algo que nos fere profundamente. É fato que todas as coisas desagradáveis que nos atingem, encurtam um pouco a corrida para o minuto final. Mas isso depende de cada um. Explico: nem todos são afetados com a mesma intensidade pelo trágico.
   O inesperado é sempre a mais maléfica das formas de nos agredir. É que ele nos pega desprevenidos, e alguns sonhos são decepados, atrofiados, e muitas vezes ‘matam’ parte da pessoa que éramos.
 
   A adolescência é rica em oportunidades para essas mudanças que alteram nosso comportamento. Nessa fase da vida, tudo é encarado com ‘pureza’, sem desconfianças. Nessa fase nos entregamos aos sonhos mais impossíveis – não temos sabedoria para antever o trágico. Duvido que um adulto hoje não tenha morrido algumas vezes a medida que seus sonhos foram sendo desfeitos quando eram jovens demais.
   Entretanto, os mais fortes dentre nós podem recuperar – isso é comum – o otimismo anterior. Os mais fortes, a quem me refiro, são os menos sensíveis à dor.
 
   Um exemplo (tirado da minha vida quando eu já estava na idade adulta) foi a morte do meu primeiro filho. Uma morte causada por uma mentira desnecessária. Depois disso, nunca mais fui a mesma pessoa. Passei a duvidar de tudo e de todos. Nem podia chegar perto de uma criança sem que uma lágrima caísse discretamente do meu rosto. Isso foi superado (será?), mas nada voltou ao que era antes. Eu desconhecia a importância da mentira para o bem-estar da humanidade. Eu ainda não havia lido Gibran – nem Vargas Vila.  
   Ninguém, por mais idiota que seja, será a mesma pessoa que era cinquenta anos atrás. Podemos até manter algumas características do que fomos no passado, sem, entretanto, sermos a mesma pessoa.
 
   Depois de muitas mortes, muitas decepções com pessoas próximas (das distantes eu já nada esperava), meu coração parou de bater. Não uma ou duas vezes. Quatro vezes. Numa delas, fiquei cinco minutos morto. Só depois disso encontrei a paz.
   Primeiro perdi a memória, inicialmente 90% dela. Levei anos para recuperar uns 80%, tudo aos poucos, lentamente. Não conseguia lembrar de mal algum que me tivessem feito. Melhor dizendo, quase nenhum.
   Não, não estive do “outro lado”, nem flutuei para ver meu corpo inerte. Quando voltei, tinha apenas uma certeza: Deus Não Existe! Depois dessa constatação, minha vida melhorou. Uma correção: eu mudei, e isso fez com que minha vida mudasse, para melhor.
   Perdi o medo das coisas e das pessoas, e nada mais podia atingir-me. Aí estava o segredo do meu rejuvenescimento. Meus cabelos já grisalhos voltaram a escurecer sem que nada fosse feito para isso. Passei alguns anos impotente, até descobrir que voltei (quase) ao que era antes. Obviamente não retornei aos meus 20 anos – mas estou mais alegre do que jamais fui.
 
   Tirei das pessoas o poder de me decepcionar. Vivo cada dia focado no presente, sem expectativas em relação ao futuro. Finalmente, perdi o medo da morte. Viverei enquanto viver bem. Quando não estiver mais satisfeito, estiver cansado ou sofrendo, morrerei contente – afinal, todos temos que morrer um dia.
 

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