O melhor da vida não é ser pai, é ser ex-pai. Sinceramente? Melhor ser ex-tudo. Só assim você pode levar a vida que sonhou desde a juventude, e que seus pais não permitiram. Você se acomoda em qualquer cantinho, com tudo à mão (ou, como mostra a foto, aos pés), só faz o que quer, como quer e quando quer. Que se dane o mundo e quem o criou. É só ligar o "foda-se" na potência máxima.
DIA DOS PAIS
- Oi, tudo
bem?
- Tudo –
respondi.
- Parabéns
– ela disse.
- Não é meu
aniversário – falei.
- Eu sei.
Mas é dia dos pais, lembra?
- As tevês
e os jornais não me dixam esquecer – falei com deboche.
- Uau! Que
que houve? Que bicho te mordeu?
- Um bicho
seria fácil de perdoar – respondi.
- Magoado,
é? Vai passar. Amanhã eles virão com presentes e te levarão para almoçar... Ou
trarão o almoço pronto.
- Amanhã?
Impossível! Não abrirei a porta nem atenderei telefone.
- Seria o
normal... Ou não?
- Nem vem
que eu não vou discutir o que é normal – falei impaciente.
- Mas
brigas familiares são coisas do dia a dia de todos que têm família.
- Quem
disse que eu briguei?
- Mas
então, por que você está de mau humor?
- Não tô de
mau humor! Tô é zangado!
- Com quem,
pode-se saber?
- Comigo
mesmo – respondi no automático.
- Exijo
saber o motivo! – disse minha amiga, em tom de brincadeira.
- É que eu
fiz tudo errado, desde o princípio.
- Como
assim?
- Pra
começar, casei! Permaneci errado e tive filhos!
- Mas você
já descasou, até onde eu sei. E seus filhos estão crecidos e independentes. Sou
testemunha de que foi um bom pai.
- Pois é,
descasei e continuo aturando a ex-mulher. Aliás, ex-mulher não existe. Quando
se tem filhos, nunca mais você se livra dela. É como AIDS, não tem cura!
- Cruz,
Credo! Tá com raiva mesmo!
- Muita
raiva! De mim mesmo!
- Mas as
crianças eram a sua vida... Eu lembro. O que aconteceu?
- Você já
respondeu. Eram. Não são mais crianças. São monstros que cresceram e culpam
você por tudo de ruim que lhes aconteceu ou acontece na vida. Você envelhece e
vira réu, não importando o que tenha feito de bom. Eles são a promotoria e o
juíz. O réu, nesses julgamentos, sempre é condenado.
- Acaso
posso saber o seu crime? – ela perguntou rindo.
- O crime
de todos os pais: Não continuar fazendo tudo que você fazia quando eles eram
pequenos.
- Mas eles
não são mais pequenos...
- Vai você
convencê-los disso. Só são adultos para discordar de tudo o que você pensa ou
diz. No resto, não passam de doentes.
- Como
doentes? – perguntou minha amiga.
- Eles
padecem de ‘idiotia crônica’. Falo sério! – acrescentei.
- Quando
eram crianças, só pensavam neles proprios. Adultos, continuam do mesmo jeito.
Eu cansei. Talvez ainda sinta algo por eles, não sei. Mas meu desejo é que
fiquem bem distantes de mim. Não tenho saudade nem sinto a menor falta.
- Mas isso
é muito triste – ela falou como se não compreendesse bem.
- Essa fase
de ficar triste já passou. Quero mesmo é ficar livre deles – falei.
-
..............
- Não sei o
que dizer – ela resmungou baixo.
- Não há o
que dizer – comentei. Bem, sou (ou fui) um pai que fala o que pensa e sente.
Pais e mães costumam enganar os outros e a si mesmos, repetindo que seus filhos
são maravilhosos. A verdade é que ninguém é maravilhoso. A sabedoria é aprender
a não dizer nada, e se afastar do que nos incomoda. No meu caso, como sou
realista, quero distância de tudo que se aproxime da definição de família.
- Você
sabe, eu não pude ter filhos. O marido, despachei pro inferno.
- Sabe que
você tem tudo para ser feliz? – falei.
- Vou fazer
uma pergunta – ela disse. - Jura que você não sente falta?
- Não sinto
falta dos filhos, da ex-mulher, da vida de casado, e, para ser bem sincero,
preferia não ter tido mãe. Mas não pensa que sou infeliz. Minha “vida interior”
é riquíssima. Aprendi a ter prazer com pequenas coisas. Família não me tira a
alegria. Só incomoda um pouco quando lembram que eu existo.
- Mas você
não gosta das mães?
- Somente
elas conseguem ser piores que os filhos.
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