A MORTE TRANSFORMA
Uma tendência, particularmente na América
Latina, é a redenção dos mortos. A morte transforma os maus em bons, ou, pelo
menos, em ‘menos maus’. Fiquei impressionado com o noticiário televisivo sobre
a morte de Hugo Chávez, o índio venezuelano que se tornou ditador, com domínio
total sobre o Congresso, as Forças Armadas, o Judiciário e, em parte, a
imprensa não tão livre.
No Brasil, as manchetes que sempre
‘desceram o pau’ no caudilho, passaram a tratá-lo como se tivesse sido um
santo. Já vi esse fenômeno aqui mesmo no Brasil, onde Getúlio Vargas foi
enxotado num dia, e, ao suicidar-se, virou o melhor homem do país. Na
Argentina, um pilantra como Juan Domingo Perón e sua prostituta até hoje são
endeusados.
Em família, nossos próprios parentes,
amigos e aderentes são considerados, muitas vezes, o pior do pior. Quando
morrem, passam a ser boas pessoas que não foram compreendidas. Viram orgulho de
todos nós. Principalmente se eram ricos
ou poderosos.
Viúvas e viúvos enaltecem o cônjuge que se
foi, mesmo que tenham passado a vida atormentando-nos e cometendo falcatruas. A
vagabunda vira uma ‘boa mãe’, e o cafageste mau caráter transforma-se, como que
por milagre, num exemplo de pai ou
marido.
Conheço uma velha de 90 anos que, no dia
do nascimento de seu finado marido, ou mesmo no dia de finados, fica deprimida
e chora de saudade, esquecendo-se de que, ela própria, queria mais que ninguém
essa morte. Parece que nos sentimos obrigados a cultuar a memória dos nossos
mortos, de modo a garantirmos o mesmo tratamento quando nos formos.
Depois de ler biografias de gente
importante, constatei que nenhum valia mais do que eu ou você. Ficaram
conhecidos e famosos por estarem no lugar certo, na hora certa. Ou seja,
tiveram sorte. Se você não acredita na sorte, não passa de um imbecil.
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